Era o meu olhar que contemplava o horizonte escondido.
O céu estava maravilhoso. Arrebol.
No princípio da noite as nuvens caminhavam em metáfora à efemeridade da vida, estavam espessas, inicialmente cinzas sobre a cabeça de todo o mundo, mas tinham sua beleza.
(Claro!)
Uma gota antes da chuva se precipitou.
(Cortou
Uma brecha entre a nebulosa lua...
Meu peito se abriu de forma violenta numa rachadura de cor viva-sangue.
Quebrou os ossos,
Rompeu os músculos,
Ardeu a pele rasgada)
A gota rápida e precoce caída no enorme mar vermelho
Formou na superfície aros crescentes de diversos tamanhos
No reflexo do impacto
Num impulso vertical para baixo.
A suavidade com que penetrou a composição das moléculas de hidrogênio e oxigênio foi Brutal.
Átomo, água e sal.
Penetrou toda a profundidade do inconsciente:
A derme, a epiderme, o hipoderme subcutâneo.
Foi um mergulho doce e ácido
Porque era a primeira vez
Desde o início daquele tempo árido.
(Um pingo.
Um nó em pingo d’água.)
As margens de toda a extensa costa de terra expandiram-se como costelas para respirar.
Podia se sentir o tremor, a dor, a alegria, a disritmia,
A freqüência da explosão pulsar.
A tensão era grande, mas o alívio era tamanho:
Os dentes rangeram
Os corpos gemeram
Os amantes suspiraram num gozo.
Toda a espuma flutuante estourava em pequenas bolhas como champanhe em dia de festa.
Depois da gota solitária muitas outras seguiram seu percurso.
Num soluço
Mergulharam na mistura de orgulho e sal
O grito sôfrego do temporal.
(A tempestade de Shakespeare
Era pouco
Perto daquele corpo em pranto)
Tanto
Que a Deusa Iemanjá
Arrepiada de frio cobriu-se num manto
E através do espelho
Admirou o movimento
Até o vento forte cessar.
As gotas numa composição maestral
Dissolveram-se em meio ao sal,
Descobriram esqueletos de piratas, águas vivas, sereias, baleias...
E um tesouro enterrado.
Quando a gota (só) absorvida diante de todas as outras adentrou o solo mais fundo
Rompeu-se a areia dura e úmida.
Os grãos, pequeníssimas partículas de poeira molhada,
Flutuaram feito purpurina embaixo d’água.
Num rebento de impulso-expulso vertical para cima e para fora raios brotaram da escuridão como quem sobe à tona depois da apinéia a procura de ar.
O fogo ardeu o centro da Terra, partiu o oceano ao meio e se suspendeu para muito além da superfície.
Uma luz incandescente emergia do mar e cruzava o céu.
A Lua que observava tudo se surpreendeu...
Com o calor.
E com os olhos rasos d’água enterneceu.
Estendeu os braços num abraço ao clarão e se fundiu na aurora.
O Sol, então, se rendeu ao desencontro e iluminou o meu dia!
(por Natássia Garcia)
Escrito em 2006
Quadro "Iemanjá", de Romanelli