13.9.08

Metáfora

Era o meu olhar que contemplava o horizonte escondido.
O céu estava maravilhoso. Arrebol.
No princípio da noite as nuvens caminhavam em metáfora à efemeridade da vida, estavam espessas, inicialmente cinzas sobre a cabeça de todo o mundo, mas tinham sua beleza.
(Claro!)

Uma gota antes da chuva se precipitou.

(Cortou
Uma brecha entre a nebulosa lua...
Meu peito se abriu de forma violenta numa rachadura de cor viva-sangue.
Quebrou os ossos,
Rompeu os músculos,
Ardeu a pele rasgada)
A gota rápida e precoce caída no enorme mar vermelho
Formou na superfície aros crescentes de diversos tamanhos
No reflexo do impacto
Num impulso vertical para baixo.
A suavidade com que penetrou a composição das moléculas de hidrogênio e oxigênio foi Brutal.
Átomo, água e sal.
Penetrou toda a profundidade do inconsciente:
A derme, a epiderme, o hipoderme subcutâneo.
Foi um mergulho doce e ácido
Porque era a primeira vez
Desde o início daquele tempo árido.
(Um pingo.
Um nó em pingo d’água.)
As margens de toda a extensa costa de terra expandiram-se como costelas para respirar.
Podia se sentir o tremor, a dor, a alegria, a disritmia,
A freqüência da explosão pulsar.
A tensão era grande, mas o alívio era tamanho:
Os dentes rangeram
Os corpos gemeram
Os amantes suspiraram num gozo.
Toda a espuma flutuante estourava em pequenas bolhas como champanhe em dia de festa.

Depois da gota solitária muitas outras seguiram seu percurso.
Num soluço
Mergulharam na mistura de orgulho e sal
O grito sôfrego do temporal.
(A tempestade de Shakespeare
Era pouco
Perto daquele corpo em pranto)
Tanto
Que a Deusa Iemanjá
Arrepiada de frio cobriu-se num manto
E através do espelho
Admirou o movimento
Até o vento forte cessar.
As gotas numa composição maestral
Dissolveram-se em meio ao sal,
Descobriram esqueletos de piratas, águas vivas, sereias, baleias...
E um tesouro enterrado.
Quando a gota (só) absorvida diante de todas as outras adentrou o solo mais fundo
Rompeu-se a areia dura e úmida.
Os grãos, pequeníssimas partículas de poeira molhada,
Flutuaram feito purpurina embaixo d’água.
Num rebento de impulso-expulso vertical para cima e para fora raios brotaram da escuridão como quem sobe à tona depois da apinéia a procura de ar.
O fogo ardeu o centro da Terra, partiu o oceano ao meio e se suspendeu para muito além da superfície.
Uma luz incandescente emergia do mar e cruzava o céu.
A Lua que observava tudo se surpreendeu...
Com o calor.
E com os olhos rasos d’água enterneceu.
Estendeu os braços num abraço ao clarão e se fundiu na aurora.
O Sol, então, se rendeu ao desencontro e iluminou o meu dia!


(por Natássia Garcia)

Escrito em 2006


Quadro "Iemanjá", de Romanelli

livre expressão sobre Mil Platôs






Uma cartografia do encontro:

Nuvens passageiras ou a inexistente concepção de morte de qualquer ser elementar.

O passar do tempo em ventos lentos
um corpo sob a pele
uma alma latente "sobre" a mente???

Eis os encontros que dissipam dispersam dispensam espezinharias.

Não há disputas, mas claramente há territórios... um engendramento na produção do desejo... Teatro de Alquimia em altas temperaturas.

Um mapa de um tecido flexível num céu azul anil e as constelações propagando faíscas no aquecimento das novas sensações.

O conhecimento lumiando as histórias e as ações sociais subjetivando a filosofia.

A perplexidade estratosférica defronte as rudezas da sedimentação. E a crítica à razão pura?!

Não sei em que lugar a poesia é inerpretativa, mas ela representa o que de mim agora eu não entendo.

A noite calada predispõe a produção salutar dos pensamentos. Mas desconheço a idéia do não sujeito.

Tento sair ilesa das descobertas, mas o rasgo na consciência já é tão grande se tornando impossível estreitar estando aberta.

A poeira do quarto circula em redes e as ondas perseguem a roupagem que não cabe nem no corpo, nem no armário, nem no lixo.

Pedaços que de mim faltavam sobre(põem) as idéias de livros, cavam outras tocas profundas, traçam planos de fuga e me fazem ver cometas rasantes na superfície terrestre.

Próximas de mim as fronteiras
e as igualdades em mim distantes.

Heterogeneidade na experiência das memórias presentes, passadas, devir...

Que hão de vir?

Devo eu ir pra onde?
.
.
.
.
.
.
.
.
.
Não é por vir, mas processo... o devir.

Estou eu na zona tensa de turbulência-entre-a extremidade em fim.
(por Natássia Garcia)
Escrito em 2007

A Egberto Gesmonte

Não sei se tocará como tocou...
Sobre
as asas de borboleta.

Dedos para além de calda para muito mais além das cordas...
num piano suspenso em mãos

(recordas?)

Pois recobra-me a imagem perecível ao tempo que tenho a impressão de párar ao ter visto a sombra do tocar.

Horas inesperadas e ofegantes distantes do objetivo mergulham nos estimulantes metatarsos, metacarpos de prazer sumindo sobre notas irreconhecíveis.

Água aos olhos...
mar(r)emoto

à face bruta e sêca com sorriso alvo e calmo.
Aconchego de amor profundo e triunfante de um espírito musical novo e vibrante que afrouxa e arrebenta e comprime e dilata...

a partir de um estrangeiro de enormes crinas e rosto rude com ironia saborosa... generosidade e desdém... rápida ou lentamente quente e frio...

Tudo eu vivi intensamente alegre e surpreendente mente triste.

a imagem
em sombrio e desconcertado-desconsertado assento-acento (ou vice-verso)
num piano, cujas mãos dançam dialogando entre o destro e o canhoto com a incrível precisão de equilíbrio entre o leve e o pesar.
Brotam-me
agora
espasmos de agressiva criatividade.

Sou mais que especta(dor).


(por Natássia Garcia)
Escrito em Abril de 2006.

Ilustração: Mãos ao piano, um estudo de 1942, Archimedes Dutra

Lembrança de Cristo


A plumagem aqui chegou rastreando o solo
Enquanto as árvores nuas se expõem ao sol.

As rachas duras
no chão marcam as linhas das ruas
do céu que de tão azul já não é mais cinza...

Os pássaros enlouquecidos por assovios errantes voam no carrossel dos ares embevecidos pelo vento em liberdade.

A terra vermelha em rodamoinhos força às folhas ao olho do furacão
De tempo, de pó, de poesia...

A poeira gruda nos pés calçados em sonhos
Deixando à frente do mundo os rastros dos passos mudos.

E por onde quer que se passe
Tem-se a língua amarga mingua
E os lábios sedentos por ter amor agridoce

(por Natássia Garcia)
foto de Sebastião Salgado

Fim de Semana - Início de Mim



É como um salto em queda livre no espaço...
Imaginário???
(silêncio absurdo)

Donde estás?
(silêncio absurdo)

E o domingo se torna Domingo
quando o pensamento vagueia na felicidade do sonho da manhã filosófica onde o ponteiro do relógio aponta o desnorteador
E de súbito o mel e a mostarda
som de Bethoven na cozinha
(Ouçamos o que ele tem a dizer)
... atentai para o ritmo
... o tempo
... o espaço

da folha em branco
no disparar da expressão mais doce e tenra
e (in)tensa do tremer das mãos
ao engolir seco
os olhos que saltam brilham gritam
pelo perfume que exalam
dos poros que abrem
E é um vento bruto batendo na cara
inspirado um cheiro de hortelã
HUm... amarelo de maracujá rasgando a flor em cor!
S...e...n...tir o gosto azedo
a textura da semente
descendo
goela
abaixo

(Vontade de ter...)

Um (ver-de)-livre

Sacudindo roupa no varal
voando
o corpo nú olhando a sombra da dança no despertar da terra úmida
e quente
pés descalços mergulhados em bacias cintilantes de água bruta.
E amor das auroras da minha vida no retirar do sol
a opor a lua que lumia o imenso quintal frio no torpor da dama da noite que lança seu perfume ao relento
sereno

sussurrando o gostoso chôro do orvalho derramado em meio o canteiro das flores na orquestrante performance do grilo estridente eu encontro a escuridão da noite na infinitude claridade das estrelas contadas uma a uma como lágrimas caídas.

E na solitude eu sorrio.

(por Natássia Garcia)

Criado em 28 de julho de 2004

Ano Novo




Embora aparentemente esgotada e frágil, eu estava forte e não me sentia mais limitada pela superfície do corpo, o limite era o contato com o mundo, era o que eu tinha de mais profundo. A pele perfumada pela carne que envolvia a alma. Eu era um corpo aberto sangrando derramando calma e euforia,... contraditoriamente eu sou a própria respiração ofegante equilibrada. Viva. Pulsando. Tremendo por dentro e flutuando por fora. Feliz por me sentir no limiar da dor. Alegre por estar na fronteira... Entre o dentro e o fora.

Sou hoje uma estrela uma manhã um rastro um astro um risco uma luz

Sou hoje lançada no abismo do amor e da impossível existência do "é" e a possível existência do "sendo"

Sou sorriso em terra firme

Sou a loba uivando à lua e refletindo a luz de cesto de pérolas

Agora eu sou a saudade e o silêncio. Agora eu sou a cidade e o mundo inteiro. Eu sou o silêncio do grito, o silêncio de Deus, o silêncio das entrelinhas. Agora eu sou o espasmo da língua amarga e a chuva do sexo doce e a ausência do beijo latente. Cerrado. Agora eu sou as cigarras berrantes, o calor entorpecente, o sono disforme da madrugada de hoje. Agora eu sou o tempo maduro e caído das árvores, sou a cor amarelada da infância, sou o fim do dia. Agora eu sou o cinza dos fins dos dias e sou ainda os confins das noites. Agora eu tenho a loucura sem ser louca. Agora eu sou o pranto seco e o riso largo áspero escondido nas entranhas. Eu sou a adrenalina na artéria, o azul lilás de voz suave e espírito selvagem. Eu sou aquilo que há muito eu queria ser e porque não sendo não sei porque não fui. Por hora eu sou eu brotando de mim mesma, tão particularmente nua e tão sua e tão rua... Por hora eu sou a pressa de ir embora e o azar de não conseguir fugir. Porque por mais que eu esteja bem comigo mesma e me divirta sozinha eu agora faço parte de tudo e sendo tudo, como tudo insolúvel. E como tudo parte e como tudo inteira. Eu amo agora: o nada. O tempo dançando nos arranha-céus. Eu amo tudo que é imperfeição. Apesar de tudo, portanto, eu amo... Um sopro de vida livre... Agora o que eu quero: a felicidade... esse vazio e essa completude... esse espírito de luz. Agora o que eu quero: essa perfeição.

Natássia por ela mesma

Texto criado em Janeiro de 2008
Quadro de Gustav Klimt