14.9.08

(A) manhã colina




Algum cheiro de poesia e algum sabor de literatura boa me visitaram esta manhã. Derrubaram as paredes mas entraram pelas frestas. Invadiram as narinas ainda dormentes dos sonhos da gente.
Provocaram memória da noite em bruma do alento em homem e me fizeram sorrir.


Joguei as cobertas fora,

Me despi dos passados na cama,

Peguei meu caderno amarelo e escrevi!

Resenhei como uma criança pequena que não sabe ler faz.

Quando não haviam mais palavras
Me abri.
Escancarei as matérias brutas e cerradas da vida do corpo da casa do quarto
De repente o sol me bateu na cara à vista do lago ao longe.
Deixei a brisa fresca e fria passar por entre meu sexo e gargalhei!


(por Natássia Garcia)

Escrito em 07 de agosto de 2007.

Quadro de Courbet, L'origine du monde

Uma poesia de quem não sabe II



Silêncio.
Se
partires
fiques
apenas com um pedaço
ao menos.

Porque seu toque foi... impressionante
Preciso.

Em que lugar está a sensação de que o desejo não pode ser?

Eu não sei...
Um infinito...
Mar aberto...
Olhos ardentes - marejados
sorriso largo
dedos fincados na transparência da água salina.

Esta manhã tem gosto de orvalho e de sol.
Azedo verde-limão.
Amarga casca de romã.
Pés descalços em lugar nenhum.

A liberdade está
em permitir que nada está escrito
na palavra que não acerta o que se quer dizer
no sonho macio
arranhado da garganta
cortante melodia.

Nos descaminhos desses dias me surpreendi
lembrando do gosto da sua pele...
um imprevisto meigo e tenro.
Arriscado e tão envolvente quanto seu sorriso.
Em um turbilhão de falta de respostas
certamente não mentiria a mim mesma
a possibilidade de experimentar o gozo de um momento feliz.

À flor da pele
No infinitivo do descaminhar
carinho e prazer são partes de um tempo alegre
com um pouco mais de música
e afeto
e a lembrança de um afago da noite.

Você poderia ter sido quem não era,
entretanto,
meu olhar tão errado
confirmou a beleza que você se tornou.
Por mais ou menos que não se queira
Quisemos.
E o presente
passado
agora
já é
o bastante.

Vou
apoiar
minhas
mãos sobre o seu peito
suspirar
o perfume dos seus cabelos
e
vou-me
embora com o ar de quem nunca ficou.

nunca ficou!

(por Natássia Garcia)
Escrito em 2005
Fotografia de Raphael Bubeck Carvalho

Uma poesia de quem não sabe I




um fim de noite não muito amável
e uma pequena (pequenininha) mulher acuada por não saber dizer



talvez...

porque...

não sei...

uma gota de orvalho escorrega leve e lentamente...
um cronômetro conta o tempo na televisão...
um homem numa foto corre para lugar algum...
um pé sem meia adormece ao relento...
uma parte do meu corpo lateja...

meus olhos estão arranhados
cansados

vermelhos

dedos que não param o tempo
dedos que tenho ao sentir
ir...
dormir...
calar a escuridão da noite bárbara...

... hoje... esperando acordar amanhã...

... até amanhã...



(por Natássia Garcia)

Escrito em 23/05/2005


Foto de Raphael Bubeck Carvalho

O beijo


Ontem encontrei gosto alegre
toque mais frágil... su(ave)...

Som ritmado de risada levemente infantil
ao passo de sorrisos maliciosos.
Céu de boca largo
Grandes lábios em meio aos dentes
Suspiros espasmódicos contentes.
Lago de olhos profundos
vidrados em qualquer tempo de música (in)terna...

Pausadamente olhando de lado vejo negra penugem na nuca de cheiro doce.
Acalento os cabelos por ora revoltos sempre perdidos na cor negra do espaço.

Num movimento lento alento de entrelaço da língua leve na boca macia e tenra.

Solfeja misterioso encanto de hoje e transforma paixão em chama branda ... provoca ardente sol... exalta pulsos... colore vermelha face... sapecas bochechas... dilata pupilas...
Menina dos olhos que risca fósforo
lança ao vento e acende tudo aquilo que trisca.

Na magia do dia: beijo sai faísca
No sonho da noite: febre vira brisa
Na aurora amor se confunde em bruma

Da janela vejo: desnudamento

E atrás do olhar em que nos encontramos
(presentes)
experimentamos arriscar-nos no fogo como quem sinceramente sente.


(por Natássia Garcia)

Escrito em 14 de dezembro de 2006

Quadro de Gustav Klimt "O beijo"