4.10.09

Quando as mães nascem.

Quando as mães nascem,
Nascem também sorrisos largos...
e as avós têm a alegria de dar a cria...
e as filhas felizmente serão filhas.

Vejo seus olhos distantes e sinto saudades
do brilho das meninas de diamante.

Pedra rara e preciosa...

A proximidade não é bastante
para acalentar sua alma inquietante
e abrandar seu soluço em meu colo pela dor de quando as mães morrem.

Olhar através da janela...

E vejo montanhas escuras e nebulosas,
entre um céu estrelado que caminha
e pontos cadentes brilhantes em movimentos pulsantes com o encontro da morte...

Meu coração dói ao partir
a ponte estreita entre os seios
de conforto em que me debrucei
e os anseios das luzes do inalcansável mundo.

Me sinto impotente
por poder te dar agora
somente
este poema de presente.

Mas chegará um dia
em que no jardim
de nossa casa brotará felicidade em ouro...
pepitas de traqüilidade e paz.
Compreenderemos a ausência que esta vida nos traz.
E lá, neste tempo, estará o sorriso vivo de sua mãe e eu estarei presente.

E nós teremos a liberdade, mãe!
De gritar, chorar e gargalhar.
De alçar vôos em céus límpidos
no espaço infinito de mar de amor
e borbulhar em águas transparentes,
além de dançar sobre a canção flutuante
de mãos dadas.

com todo amor que cabe em mim, um abraço carinhosamente abraçado e um beijo compartilhado em bochechas.



(por Natássia Garcia)


Escrito em 02 de maio de 2006


Redemoinhos de sentidos


Está tudo muito bem.


E me quebro como cacos
e piso dolorosamente sobre os triturados sonhos construidos nos dias de ontem


Há coisas em tempos da vida da gente que desintendemos...
Hoje (por exemplo)
um pouco menos imatura,
não compreendo meus medos,
minhas angustias, minhas perdas...

(pedras e) Rio

e chôro ao mesmo tempo

nostalgia de uma menina que se foi
que nao fui
que ainda quero ser
que nao serei ainda
que nao será mais a menina
mas ainda sim terá a menina

Um coraçao mole investido por uma carcaça egoísta
um corpo, uma alma latejante...
a vida nos trai com possibilidades de escolhas
dolorosas
dificeis
iluminadas de alegria
e molhadas pela salina das lágrimas
ao alcance de um céu nublado
cinza e inconstante


de tempestades, tufões e dramas juvenis quando se tem pouca idade.

as horas da distância se extravazam
apagam a chama
e me desarmam
e se desmancham
e escapam
as saudades...

pedra de gelo
derretendo entre os dedos formigantes e frios
dedos roxos na angustia da imobilidade
torcem para escorrer o inverno demasiadamente rápido

e minhas mãos que nalgum lugar
num segundo já te fixaram
já não te esquece

e minhas mãos
que tatearam seu corpo
tatuam minha vontade

e tocam aos poucos sua ausência

dilatam
aquelas
meninas dos olhos

de castanhos a vermelhos ardentes


a sua presença


corre na inexatidão do tempo

nas circunferências das hora
fere a incongruência dos ventos
destroços do abraço
do afago morno

viver com o próprio entedimento que e a vida traz

viver sem o arrependimento de não...
viver como quem vive um presente por dia...
com toda a instabilidade que eu possa ter no mundo...
com todas as reticências do mundo que existe em mim...

direi sim quantas expectativas carinhosamente plantadas
depois de tantas queimadas e banhos de ardente sal...

como se eu esperasse um novo fogo
um fogo que a favor do vento ateasse fogo nas vestes
e depois da exposta queimadura
a brandura da chuva doce cobrindo meus pés
e fechando meus olhos com gotas pequenas e macias

suas mãos quando tocam

pode ser
que o sol se abra
e traga novo calor
nova luz
novo dia...

respirar o que Deus me dá,
O agora
uma pedra
um inseto perturbador
um pouco de frio
uma saudade abstrata
uma mãe
um pai
um nada
um amor
qualquer um
uma coisa qualquer
que seja

raízes profundas
espreita
estreita
vestígios

pode ser que não seja o que parece ser
ou que de fato deixou de ser
ou nunca foi

mas o infindável... sem dúvida...
medo de soletrar o carinho

meu olhar se transformou
quando percebi...
o mundo grande...
imensurável

não me faça egoísta
nao me faça só
enquanto me sinto dividida
entre o mar aberto
ou um pouco de afeto

O amor corre no meu corpo inquieto procurando um pouso.

E diante da vidraça intransponivel do tempo o beijo...
como a primeira primavera vista vivida entre as aretas do teatro.







(por Natássia Garcia)


Escrito em 21 de janeiro de 2005
Foto de um desconhecido.

Às voltas

Em círculos fraternos as voltas enebriantes de tantas nuvens...

A clara visão da mudança em tempos de rupturas.

Cascas às favas e profundidade transbordando pelos poros.

Por um instante compartilhar a seiva das bocas da juventude em raízes já velhas de ternura.

O vento frio se apressa arrepiando a pele, mas os músculos já aquecidos dos beijos leves em meio aos dentes aflitos trituram o medo de julgar qualquer precipitação.

Nem fuga, nem solidão...

Entrega e integridade doce, lenta, nova e supresa de romper com qualquer fronteira.

Um cheiro de terra molhada que deixa os corações sedentos...

Tranqüilo amor que suspira em passos firmes e calmos conhecem o que antes era escondido.



(por Natássia Garcia)

Escrito em 5 de agosto de 2007.

Onde é que eu paro

Mais que amante... amados... mais que amor... companheirismo... mais que corpo... alma... mais que pressa... tempo... mais que tempo... vida... mais que vida... silêncio... mais que silêncio... ausência... mais que ausência... confusão... mais que confusão!!!

... ainda que entre espinhos...
... que ainda nasçam flores...

e vide verso

... que ainda nasçam flores...
... ainda que entre espinhos...

As coisa boas
também estão no olhar inquieto.
na voz perdida
no silêncio.
nas mãos que dançam
no vazio.
no beijo que escapa diante do semáforo vermelho.

na brutal realidade do imaginário que ninguém segura...

no infinito desejo o qual não apalpamos.

Mas sentimos passando como corrente elétrica.

E talvez isso precisamos não conseguir dizer
e no limite do vocabulário nos permitimos sentir sem sermos obrigados

a dizer.

E as palavras são
en-
go-
li-
das...

pela força de
um
sussUrro
que paira na mente como um grito de liberdade e voa pela janela como um pássaro rumo ao céu-profundo-desconhecido-vazio.

E há que explodir de qualquer maneira
E há que conter-se de alguma maneira

E pode ser que não haja...
... c(alma).



(por Natássia Garcia)

Escrito em 25 de novembro de 2004

A noite

Espero que a torrente chuva nos embale em sonhos profundos...

e afague com um sopro nossas temporas
e que as espumas delisem sobre os pés flutuantes como quem faz cócegas em crianças
e toque sinceramente nossas costas como alívio depois do fogo

...a calmaria...

sobre a revolução do corpo sedento em águas salgadas de ondas que se debatem solitárias dos pensamentos distantes...
a melancolia do silêncio do dia sombrio...
a respiração ofegante de quem está em alto mar...

e corre... o risco... horizonte...
de vir à superfície ou se perder de vez em alto mar...

e num sorriso sob o guarda-chuva
a
gota
d'água
...

inundemo-nos...
mesmo que o sentimento escorra de nossas mãos...
(por Natássia Garcia)
Escrito em 25 de outubro de 2004

O risco do presente





... os olhos marejados lacrados-dormentes riscados de areia onírica avistavam uma estrangeira em dia de mudança.

(Era mais cômodo deixar o pó a extrair a memória ríspida do sonho em ruínas. Preferiu lavar a alma.)


Levantou-se.
Lenta.
Tonta.
Míope.
Viva.

Tinha ainda
tinta das digitais dos dedos;
a face marcada da cama;
a impressão da meia-luz do abajur;
a falta do lençol;
a sombra do domingo.

Tinha também
o peso da pélvis sobre as pernas bambas;
os seios com o gosto dos beijos;
e, sobretudo, o sexo pulsava do dia de ontem.

Caminhou pelo labirinto da casa vazia - aparente - conhecida.
Tirou a roupa.
Observou no espelho o reflexo não refletido
(Eco e Narciso)
Abriu o registro.
Ouviu o som das palavras reverberarem junto à fumaça.
Deixou-se molhar das partículas delicadas...

Experimentou o cheiro de lembrança brotando nas narinas,
a água penetrando a boca entreaberta umidecendo a língua.
Cerrou as pálpebras com leveza
e sem pestanejar mergulhou de novo nas águas remanescentes da noite fria.
Sentiu, serena, a visão das gotas sedentas
desvendando
de-vagar
a máscara obsoleta
na conquista das meninas-dos-olhos do menino nú.


(Música: inspiração-expiração
Tempo: parado-latente
lugar: invisível-indizível-indivisível)


A janela revela agora a doçura, o profundo, a beleza.
Os fechos de vapor no vidro são fissuras no imaginário.

Chuva fina cai discreta
Dentro
Fora
alegria transborda disritmia no peito.
As folhas correm do vento
mas é inevitável o encontro:


Ao invés do fogo arrebatador
temos o sopro das horas contando a nosso favor
sem a pressa de atar correntes
e lançar faíscas acendendo todos os fósforos de uma só vez.

Temos a calma,
o urgir de novos afetos,
o diálogo sincero e cortante entre os nosso dentes.

Temos o tremor da derme,
a segunda pele em contato,
os lábios conhecendo a carne,
o temor do descuidado amargo.

O sentido de nós
não é o passado
suspirando à nuca
e grudado em calcanhares;
não é represa de um "outro"
mas a confluência com o estranho
permeando o lençol freático
no cultivo da terra fértil.

De repente,
Entrega ao risco como presente.


Despertou do invento.
Abriu os olhos.
Voltou a si.
Fechou o registro.
Secou-se.
Vestiu os nús.
E partiu.
Só.


(por Natássia Garcia)


Escrita em 5 de dezembro de 2007


Quadro de Edgar Degas

30.4.09

Corpo-sonho

Ela caminhava naquela casa escura, uma casa parecida com casa de fazenda.
A antiga moradora, tinha o ar astuto e ranzinza, levava Maya por entre os cômodos contando as histórias do sempre. Passaram por uma mesa grande e comprida, daquelas com bancos também grandes e compridos. Mesa-medieval. Parecia caber a família inteira. Se houvesse família.
O quintal e a mesa pareciam ser espaços para a solidão. O nome da antiga moradora, dizem, tem origem no russo, mas suas ascendências eram com certeza, alemãs. A sábia, mulher ligada às ciências, tinha seu andar pesado de cabocla e guardava a alegria de outrora, contudo, ainda dava presentes que muitos não prestavam atenção.
Ela molhava as plantas diariamente, conversava com os animais do quintal como se fossem filhos e, os filhos, Estes homens! Eram tão amados. Ah, estes filhos! Dos quais ela cuidava em toda vida deles, davam tantos pequenos trabalhos. “Uma luta para eles ajudarem nas tarefas domésticas”, ela dizia. Sim. A casa.
Ela continuava mostrando a casa à Maya. Os móveis, antigos-guardados, escuros, com cheiro de madeira molhada e mofada. Cheiro forte que levava às lembranças de odores brutos, agressivos. Mas a casa embora aparentemente grotesca, escondida entre os recônditos daquela família era de força espiritual sublime, no entanto, somente anjos reconheciam o poder.
Uma casa com vida interior silente-adormecida. Não se enganem com a descrição da sábia. Ela era mais nova que imaginam e tinha muita cor e vida. As sombras às vezes revelavam estas luzes contrastantes. Ora ácida ora amarga ora astuta ora tenra ora amável ora salgada de lágrimas pela saudade. Maya escutava com atenção a história das banheiras dos filhos: “Duas banheiras de madeira foram guardadas... uma delas era dos meninos... ficaram aqui na via da calha. Era mais fácil colocar e tirar a água. Hoje ninguém mais toma banho, então, uso como pia. Lavo a louça aí! E deixo aí pra esperar os netos, não é?” Maya achou estranho.
Mas sentiu um prazer, uma pontinha de vontade de ser mãe e poder ter uma banheira assim para a cria. Imaginou quão especial não seria um banho em uma criança ainda muito nova. Uma criança que ainda escorrega por entre os dedos porque desconhece a segurança do homem, ainda mole, viva mais que nunca, esperneando suas primeiras conquistas e olhando arregalada as grandes mãos que passeiam no seu corpo. Não compreendendo porque aquela água é menos viscosa e menos aconchegante que líquido amniótico da mãe. Maya foi interrompida em seus pensamentos quando chegou aquele que é filho do tempo. Seu homem-menino, cujo nome era de origem hebraica (segundo diziam), entrou como numa rajada e com papéis em uma das mãos
“São aqueles seus papéis, Maya, vou guardar no sótão. Parecem coisas velhas!”, disse o filho primogênito da Sábia, filho de nome de anjo, o companheiro de Deus, curado por Deus.


(por Natássia Garcia)
Escrito em dezembro de 2009.