30.4.09

Corpo-sonho

Ela caminhava naquela casa escura, uma casa parecida com casa de fazenda.
A antiga moradora, tinha o ar astuto e ranzinza, levava Maya por entre os cômodos contando as histórias do sempre. Passaram por uma mesa grande e comprida, daquelas com bancos também grandes e compridos. Mesa-medieval. Parecia caber a família inteira. Se houvesse família.
O quintal e a mesa pareciam ser espaços para a solidão. O nome da antiga moradora, dizem, tem origem no russo, mas suas ascendências eram com certeza, alemãs. A sábia, mulher ligada às ciências, tinha seu andar pesado de cabocla e guardava a alegria de outrora, contudo, ainda dava presentes que muitos não prestavam atenção.
Ela molhava as plantas diariamente, conversava com os animais do quintal como se fossem filhos e, os filhos, Estes homens! Eram tão amados. Ah, estes filhos! Dos quais ela cuidava em toda vida deles, davam tantos pequenos trabalhos. “Uma luta para eles ajudarem nas tarefas domésticas”, ela dizia. Sim. A casa.
Ela continuava mostrando a casa à Maya. Os móveis, antigos-guardados, escuros, com cheiro de madeira molhada e mofada. Cheiro forte que levava às lembranças de odores brutos, agressivos. Mas a casa embora aparentemente grotesca, escondida entre os recônditos daquela família era de força espiritual sublime, no entanto, somente anjos reconheciam o poder.
Uma casa com vida interior silente-adormecida. Não se enganem com a descrição da sábia. Ela era mais nova que imaginam e tinha muita cor e vida. As sombras às vezes revelavam estas luzes contrastantes. Ora ácida ora amarga ora astuta ora tenra ora amável ora salgada de lágrimas pela saudade. Maya escutava com atenção a história das banheiras dos filhos: “Duas banheiras de madeira foram guardadas... uma delas era dos meninos... ficaram aqui na via da calha. Era mais fácil colocar e tirar a água. Hoje ninguém mais toma banho, então, uso como pia. Lavo a louça aí! E deixo aí pra esperar os netos, não é?” Maya achou estranho.
Mas sentiu um prazer, uma pontinha de vontade de ser mãe e poder ter uma banheira assim para a cria. Imaginou quão especial não seria um banho em uma criança ainda muito nova. Uma criança que ainda escorrega por entre os dedos porque desconhece a segurança do homem, ainda mole, viva mais que nunca, esperneando suas primeiras conquistas e olhando arregalada as grandes mãos que passeiam no seu corpo. Não compreendendo porque aquela água é menos viscosa e menos aconchegante que líquido amniótico da mãe. Maya foi interrompida em seus pensamentos quando chegou aquele que é filho do tempo. Seu homem-menino, cujo nome era de origem hebraica (segundo diziam), entrou como numa rajada e com papéis em uma das mãos
“São aqueles seus papéis, Maya, vou guardar no sótão. Parecem coisas velhas!”, disse o filho primogênito da Sábia, filho de nome de anjo, o companheiro de Deus, curado por Deus.


(por Natássia Garcia)
Escrito em dezembro de 2009.